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"Escutar mais é agir menos?" A importância da observação no Ativismo Delicado

Texto por Luiz Gabriel Vasconcelos | Publicado originalmente na Revista Travessias #14: Escutar da Bambual Editora


Em tempos de crises tão urgentes, muitas vezes temos dificuldade de suspender nossa ânsia por oferecer soluções para escutar e observar profundamente o que está acontecendo. Seja no campo profissional e político, seja em conversas num âmbito mais pessoal, te pergunto: você já sentiu que mal terminou de expressar algo, e logo surgem interpretações e recomendações, que parecem pouco fazer jus à experiência que você tentava partilhar? Da mesma maneira, será que nós também não acabamos fazendo isso quando nos propomos a ajudar os outros?


Essas são algumas provocações que são levadas a sério na prática do Ativismo Delicado dos sul-africanos Allan Kaplan e Sue Davidoff, que têm sido grandes referências para nós na Escola Schumacher Brasil. Ao longo de sua experiência como ativistas e educadores na África do Sul, buscando contribuir em movimentos de mudança social que vão desde a luta contra o apartheid, ao desenvolvimento de comunidades e da educação em seu país, Allan e Sue começaram a refletir mais a fundo sobre o real papel das intervenções que eles realizavam nesses contextos.


Reflitamos com eles: por mais que estejamos motivados pelas mais belas intenções, será que nossas intervenções não acabam por gerar novos problemas? Quais seriam e como superar os pontos cegos desse nosso ativismo? E qual o papel de uma escuta ativa nesse processo?


As bases de um Ativismo Delicado


A conclusão deles, ou melhor, a prática que eles foram desenvolvendo ao longo dos anos para garantir que sua atuação estava de fato a serviço da vida, é o que eles hoje chamam de Ativismo Delicado. E o fundamento dessa prática é a observação fenomenológica, inspirada na ciência goetheana. Na verdade, o próprio nome que deram a abordagem é inspirado no “empirismo delicado” de J. W. Goethe, que, além de expoente da literatura, dedicou a vida a desenvolver uma forma de conhecer o mundo através de uma observação despida de conceitos pré estabelecidos, uma observação consciente de que as lentes com as quais enxergamos o mundo, influenciam o mundo que criamos com nossa percepção e nossa ação.

“Um ativismo delicado é verdadeiramente radical por ser consciente de si próprio e por compreender que seu modo de enxergar é a mudança que se quer ver.”

E como isso pode se refletir no campo da mudança social? Especialmente para aqueles de nós que dedicamos nossas vidas profissionais e pessoais a contribuir para um mundo melhor, para o florescimento de todas pessoas e seres desse lindo planeta? E como desenvolver essa nossa capacidade de observação e escuta?


Bom, talvez a melhor forma de compartilhar um pouco mais dessa prática é através de um breve relato da imersão que organizamos com eles na Fazenda Serrinha, em Bragança Paulista-SP, em Junho deste ano. Foram 5 dias em que eles nos guiaram em um mergulho nessa nossa capacidade de observar a vida, seja de uma planta, ou seja de uma situação profissional difícil. Aos poucos, fomos entendendo a diferença entre uma ação que parte de nossas cabeças como imposição sobre o mundo, e uma ação que emerge da compreensão do potencial que a própria vida aspira manifestar. Como eles dizem no livro:

"Um ativismo delicado tem como premissa uma ideia contraintuitiva - é a observação, e não a intervenção, que desempenha um papel de cura no mundo. Enxergar através do coração "invisível" de qualquer fenômeno é a verdadeira comunhão do ser humano. Mudamos o mundo entrando dentro dele."

Sim, se nossa ação parte de conceitos ou estruturas de pensamento pré estabelecidas ela acaba arriscando passar por cima de sutilezas e complexidades do contexto em que agimos. Mesmo que essas interpretações e proposições de soluções venham com a melhor das intenções, e com base em experiências amplas e genuínas, precisamos contemplar o fato de que cada situação, cada contexto, cada ser é único e singular. Então antes de qualquer conclusão ou proposição, precisamos ativamente observar, entrar em contato com os contextos e fenômenos com que estamos lidando, enquanto processos vivos. E nada melhor para praticar isso, que exercitar observar seres vivos, em especial as plantas.


Em meio a linda natureza da Fazenda Serrinha e no aconchego de um grupo que tão imediatamente se sentiu comunidade, fomos desenvolvendo nossa capacidade de ver o invisível. Pois para tornar visível essa vida das coisas é preciso aprender a ver mais do que as formas estáticas de uma planta, para entrar em contato com o movimento sutil, mas constante, de seu crescimento e decaimento paradoxalmente complementares. Se pararmos nossa observação no momento do reconhecimento, "ah, isso é uma palmeira", perdemos contato com todo esse movimento implícito e potencial.


Da observação goetheana à mudança social


Da mesma forma em nossa atuação no mundo, precisamos ir além de nossas convicções e conclusões rápidas para abrir espaço para observação. Se desejamos de fato estar a serviço da vida, precisamos desenvolver nossa capacidade ir mais fundo na compreensão dos problemas com que estamos lidando. Nas interações sociais, essa observação toma forma em uma capacidade de escuta ativa, de fazer perguntas genuínas que ajudem os outros expressar e até mesmo compreender mais de sua própria experiência.


A escuta e a observação, geralmente são consideradas atividades passivas, mas pelo contrário, são como músculos que precisamos desenvolver. Precisamos treinar, não apenas essa suspensão da ânsia de explicar e solucionar, mas também desenvolver a capacidade de colocar o pensamento e a imaginação a serviço da percepção, a fim de enxergar aqueles aspectos invisíveis e não ditos dos fenômenos - o que é diferente de projetar conceitos e explicações pré-estabelecidas.


Essa atitude de se delongar na observação, que às vezes pode parecer desperdício de tempo, na verdade dilata o tempo, e abre nossos poros para perceber as respostas que o próprio mundo está nos chamando a dar.


Nas palavras deles:

"Nossa intenção não é tentar consertar nada, não se trata de tentar encontrar soluções. Trata-se "simplesmente" de penetrar no âmago de uma situação, de ser capaz de vê-la tal como ela é e, por meio desse enxergar, sermos capazes de nos relacionarmos com o que encontramos através de uma lente mais destilada e objetiva. Essa clareza de compreensão possibilita a liberdade e isso, por si só, já afeta o mundo."

Por fim, arrisco dizer que a principal revolução que esse Ativismo Delicado promove não esteja nem mesmo nas respostas melhor informadas que acabam por emergir dessa escuta, mas na radical mudança na nossa forma de ser e se relacionar com o mundo.


Allan e Sue nos inspiraram sendo exemplos vivos dessa postura de constante engajamento sensível e responsivo a tudo que nos cerca. Uma forma de ser atenta e cuidadosa que reflete, com integral coerência, a ética que move nosso ativismo em defesa de todas formas de vida. Mais do que isso, quando nos colocamos dessa maneira no mundo, abrimos as portas de nossa percepção para contemplar em cada instante o milagre da vida... Um mundo de pessoas percebendo e agindo assim, certamente será um mundo melhor!


Em outras palavras, escutar talvez seja a forma de agir que o mundo mais precisa!


Aprofunde Ativismo Delicado


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E para quem quiser comprar o livro, acesse o site da Bambual Editora.


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